Resenha do Livro “Folhas do Norte”

Folhas do NorteA obra “Folhas do Norte” investiga a histórida do jornal amazonense desde seus primeiros passos e busca entender seu importante papel na sociedade em um cenário de mudança social e econômica que acontecia devido ao auge do comércio da borracha.

A autora relaciona a própria criação da Província do Amazonas, em 1952, com o começo da história dos periódicos na região, já que foi a partir da chegada da primeira prensa em 1951, para abastecer a província, que foi possível a criação do primeiro jornal do estado, o Cinco de Setembro.

Produzido por Manoel da Silva Ramos, o jornal teve sua primeira impressão no dia 3 de Maio de 1851, e logo passou a se chamar “Estrella do Amazonas”. Era mais um boletim sobre novidades do governo, não se fazia presente outras opiniões políticas e muito menos críticas, já que Ramos era contratado da província.

Era também muito pequeno o público do jornal, já que apenas 1% da população tinha direito a educação, que ainda era de péssima qualidade. A maioria da população nem possuía o conhecimento do português, já que a língua majoritariamente falada era o Nheengatu, e a população indígena e mestiça ainda resistia a cultura letrada europeia.

No ensino secundário da capital ainda era ensinado o francês, o que dificultava mais ainda a aceitação do português na região, tendo só em 1860 a implementação da língua portuguesa como matéria de estudos. Em 1871, abre a primeira sala de leitura do estado, e em 1883 é aberta a Biblioteca pública provincial, dando tímidos sinais que a população amazonense, em pequena escala, passaria a ter o hábito de leitura.

Mas os livros ainda são considerados artigos de luxo na região, sendo os jornais, a alternativa de leitura do povo amazonense. Mesmo sendo a produção de periódicos ainda escassa na região, já que só existiam três tipografias na província inteira, e existir apenas 21 tipógrafos em toda a região, sempre surgiam novos jornais, mesmo que manuscritos.

Apesar dos fatos apresentados, a sociedade amazonense se pautava em uma comunicação ainda oral e de linguagem ainda indígena. Os primeiros jornais são os primeiros passos de comunicação escrita e da cultura letrada portuguesa produzida na região.

Mas a autora se opõe a ver a cultura oral como símbolo de atraso e afirma que os estudos e debates sobre a região rejeitaram a cultura oral, colocando sempre em contradição com a cultura escrita e enfatizando o primitivismo daqueles que a perpetuavam. Ela busca a valorização da cultura oral e das sociedades que dela se utilizam, sem julgar a cultura escrita superior.

Nas principais capitais do Brasil, com o recurso do telegrafo e a chegada de grandes agencias internacionais acabou encarecendo os custos de produção dos jornais, e isso fortaleceu as empresas que tinham mais condições e acabou com os concorrentes menores. Mas no Amazonas, ainda existia espaço para os jornais pequenos, muito deles manuscritos e produzidos em pequena escala.

Muitos desses jornais artesanais surgiam, para abastecer de informações bairros, escolas e outros agrupamentos menores de pessoas, muitos escritos por grupos de intelectuais da época que aumentavam junto com os cafés e outros lugares em que tinham rodas de discussão e criação de jornais, mas logo desapareciam pela dificuldade de se manter essa produção constante manuscrita.

A autora também nos lembra dos jornais que não buscavam se manter em circulação por se tratar de tiragens comemorativas, como o jornal que a província circulava a cada ano para comemorar a criação da província, o intitulado “Cinco de Setembro”. Também surgiram jornais ligados a figuras políticas e que se mantinham em circulação apenas quando essas estavam no poder.

A economia regional se transformou com o extrativismo da borracha e o investimento de capital estrangeiro, e logo, houve mudanças em todos os setores da capital, inclusive no número de habitantes letrados e na necessidade de criação de mais jornais. Mas vale ressaltar, que esse crescimento, principalmente dos periódicos e outras produções literárias, era fiscalizado pelos barões da borracha e outras figuras políticas da região, sendo os jornais da época marcados pela censura.

O número de intelectuais do Amazonas crescia, e como a maioria teria concluído os estudos na capital do Brasil e até mesmo no exterior, eles tentavam reproduzir em Manaus o mesmo cenário cultural do Rio de Janeiro. A imprensa crescia na região como sinal de modernidade, e era comum o uso de estrangeirismos nas colunas dos jornais locais.

Visto o crescente desenvolvimento da região, no livro também é ressaltado a importância dos jornais do mundo operário, criados para informar classes trabalhadoras que começavam a se formar em sindicatos para realizar manifestações e greves. Os imigrantes europeus introduziram na região ideias e conscientização sobre a luta de classes operárias, tornando Manaus palco de greves e outros levantes populares.

As folhas operárias foram de extrema importância para dar voz a classes que antes não podiam se manifestar, mudando também o estilo de se fazer jornalismo na região, que foi sempre muito marcado pela censura. Produzidos por gráficos que não possuíam o formalismo dos jornalistas e gostavam de relatar temas de lutas sociais, o diferencial desses jornais estava no conteúdo que era trabalhado e não na técnica.

Mas vale lembrar, que na época apenas os trabalhadores com melhores condições podiam aprender a ler e escrever, a maioria das classes trabalhadoras ainda não tinham poder de voz e estudos suficientes para se organizar politicamente, o que fazia dos jornais dos trabalhadores ser ainda segmentado por diferenças sociais.

A autora dedica uma parte de seu livro para discorrer sobre o humor nos jornais amazonenses, já que a maioria dos pesquisadores não dão a devida atenção a essa característica dos jornais. Os escritos humorísticos, as caricaturas, e as charges também devem ser lembrados como referências históricas e encarados como objetos de estudo.

No cenário local, se propagou diversos estilos humorísticos, sendo alguns apenas para entretenimento, livre de ofensas e apresentando piadas leves sobre o cotidiano. Mas a maioria dos estilos tinha um senso crítico, para expor problemas de corrupção e desigualdades sociais que muitas vezes não podiam ser discutidos abertamente nas outras colunas dos jornais devido a constante censura da época.

A autora também traz uma perspectiva sobre o modo de viver das mulheres na época, que igual ao restante do país, a maioria ainda não tinha acesso a educação, só algumas exerciam algum ofício e todas tinham suas vidas marcadas pelo machismo presente na sociedade, sendo privadas de direitos hoje considerados básicos.

A maioria ocupava cargos dito como femininos, como datilografas, secretárias e com o surgimento de novos comércios no tempo áureo da borracha, muitas começaram a trabalhar como vendedoras, principalmente de artigos femininos, e camareiras. E claro, a prostituição sempre fora presente na região, mas era um trabalho sem condições mínimas de segurança para essas mulheres, que faziam parte de uma camada excluída da sociedade.

Nos periódicos da época, a presença feminina sempre foi restrita, principalmente nos grandes jornais. Mas havia manuscritos com forte presença delas, surgindo até jornais escrito exclusivamente por mulheres, como foi o caso do “Abolicionista do Amazonas”, de 1884. As mulheres começavam a se fazer presentes na produção de textos jornalísticos e nas rodas dos intelectuais da elite, mesmo com as constantes críticas, expostas até em charges e caricaturas nesses jornais.

A autora exemplifica nas páginas de sua obra como o jornal tem um papel fundamental na modernização da região, porque além de ser fonte de informação, servia como meio de comunicação e críticas sociais de grupos marginalizados também, como a classe operária e as mulheres letradas da época.

PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Folhas do Norte: Letramento e Periodismo no Amazonas (1880 – 1920). 3º edição – Manaus: EDUA, 2015.

Equipe: Ana Clara Moraes, Hanna Assante, Jenifer Costa, Marcelo Mendes e Maria Clara Chíxaro (Disciplina Realidade Regional em Comunicação/ 2018)

 

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